quarta-feira, 21 de maio de 2025

Ressaca Virtual

A ressaca virtual não dói na cabeça.

Dói na alma, numa parte meio opaca que a gente finge que não existe enquanto desliza o dedo pela tela.

É uma exaustão que não se explica, porque, tecnicamente, você não fez nada: sentou, olhou, clicou, curtiu, comentou, sumiu.

E, no entanto, amanhece com aquele vazio bocejando dentro do peito.

Não é ressaca de álcool.

É pior.

É a ressaca de ter se ausentado de si mesmo, mais uma vez.

Horas gastas vendo vidas que não são suas, conquistas que não te pertencem, dores que não pode curar e felicidades que não viveu.

E quando a luz fria do celular finalmente apaga, você se vê ali, estendido no sofá, corpo mole, mente saturada, alma entorpecida.

A sensação é de ter comido demais, mas não se sabe exatamente o quê.

Heidegger falaria em inautenticidade, esse modo de ser que não se compromete com o próprio ser.

Nietzsche chamaria de niilismo cotidiano: uma vida sem propósito, anestesiada pela distração.

E você chamaria apenas de: cansaço.

Mas é mais.

É a dor surda de ter se afastado da própria interioridade para se perder numa vitrine infinita.

A ressaca virtual te deixa com a impressão de que perdeu tempo, mas o que perdeu mesmo foi presença.

E quando se percebe isso, vem o susto: quantos dias, meses, anos já foram assim, engolidos em pixels e feeds, enquanto a existência real, palpável, escorria silenciosa pelas frestas?

A sua visão de mundo, rápida, ansiosa, volátil, corresponde à sua visão interior: desconectada, impaciente, incapaz de sustentar o tédio ou a espera.

E assim a ressaca volta, recorrente, como um ciclo: busca-se fuga, encontra-se vazio, tenta-se preencher com mais fuga.

Até quando?

Talvez o antídoto não seja excluir o perfil ou jogar o celular pela janela, mas fazer o que quase ninguém mais faz:

Parar...

Respirar...

Ficar com o desconforto até ele se transformar em presença.

E então, quem sabe, reencontrar na lentidão da vida o que nenhuma notificação vai oferecer:

A chance, remota mas ainda possível, de voltar a si mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário