Dói na alma, numa parte meio opaca que a gente finge que não existe enquanto desliza o dedo pela tela.
É uma exaustão que não se explica, porque, tecnicamente, você não fez nada: sentou, olhou, clicou, curtiu, comentou, sumiu.
E, no entanto, amanhece com aquele vazio bocejando dentro do peito.
Não é ressaca de álcool.
É pior.
É a ressaca de ter se ausentado de si mesmo, mais uma vez.
Horas gastas vendo vidas que não são suas, conquistas que não te pertencem, dores que não pode curar e felicidades que não viveu.
E quando a luz fria do celular finalmente apaga, você se vê ali, estendido no sofá, corpo mole, mente saturada, alma entorpecida.
A sensação é de ter comido demais, mas não se sabe exatamente o quê.
Heidegger falaria em inautenticidade, esse modo de ser que não se compromete com o próprio ser.
Nietzsche chamaria de niilismo cotidiano: uma vida sem propósito, anestesiada pela distração.
E você chamaria apenas de: cansaço.
Mas é mais.
É a dor surda de ter se afastado da própria interioridade para se perder numa vitrine infinita.
A ressaca virtual te deixa com a impressão de que perdeu tempo, mas o que perdeu mesmo foi presença.
E quando se percebe isso, vem o susto: quantos dias, meses, anos já foram assim, engolidos em pixels e feeds, enquanto a existência real, palpável, escorria silenciosa pelas frestas?
A sua visão de mundo, rápida, ansiosa, volátil, corresponde à sua visão interior: desconectada, impaciente, incapaz de sustentar o tédio ou a espera.
E assim a ressaca volta, recorrente, como um ciclo: busca-se fuga, encontra-se vazio, tenta-se preencher com mais fuga.
Até quando?
Talvez o antídoto não seja excluir o perfil ou jogar o celular pela janela, mas fazer o que quase ninguém mais faz:
Parar...
Respirar...
Ficar com o desconforto até ele se transformar em presença.
E então, quem sabe, reencontrar na lentidão da vida o que nenhuma notificação vai oferecer:
A chance, remota mas ainda possível, de voltar a si mesmo.
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