A pergunta parece piada de
bar, dessas que a gente solta rindo, meio cínico, pra cortar o peso da
existência.
Mas não se engane.
Essa pergunta “Quem é você
na fila do pão? ” - é uma armadilha
filosófica disfarçada de deboche.
Porque ela escancara, num
tom banal, a tragédia que fingimos não ver: ninguém sabe exatamente quem é.
Estamos todos ali, lado a
lado, em filas invisíveis.
Uns esperando um elogio.
Outros, um amor que nunca chegou.
Alguns por um sinal divino.
Outros só querem sobreviver mais um dia sem desmoronar.
Na fila do pão, a máscara
cai.
A moça que sorri no Instagram está de olhos fundos.
O homem engravatado olha para o chão como quem pede desculpas ao universo.
E você…
Você se pergunta, com um nó
na garganta:
“O que eu vim buscar aqui mesmo?
”
A verdade é que somos filhos
de uma era que trocou o pão pelo aplauso.
Que esqueceu o cheiro da massa no forno e preferiu o perfume da performance. Que
tem fome, mas não sabe do quê.
Sartre dizia que estamos
condenados à liberdade, o que, traduzido, significa: Você é o único responsável pelo que escolhe ser.
Mas como escolher, se a maioria sequer ousa olhar pra dentro?
Vivem como sombras
projetadas por um mundo que não respeita alma.
E aí a visão interior, rasa, fragmentada, negligenciada, constrói um mundo à
sua imagem: superficial, brutal,
entorpecido.
Você vê guerra?
É porque a guerra já começou
dentro.
Você vê caos?
É porque você nunca arrumou
seus cômodos psíquicos.
Você vê beleza?
Talvez, só talvez, tenha
encontrado a fresta por onde Deus ainda sussurra.
“Quem é você na fila do pão?”
Você é o que olha impaciente pro relógio?
O que dá lugar com gentileza e segue vazio por dentro?
Ou o que segura o pão quente com as duas mãos e chora porque, por um segundo,
lembrou-se da infância, do amor, de algo que não sabia que ainda existia?
Existir é duro.
É carregar perguntas como pedras no bolso.
É caminhar sem mapa, sem garantias, sem o tal pão às vezes.
Mas também é parar no meio
da fila, respirar fundo, e entender que não importa o que os outros vejam
Se
a sua visão interior for verdadeira, o mundo lá fora não te engole.
Porque quem sabe quem é, não precisa ser visto.
Precisa apenas estar inteiro.
Na fila, na vida, no abismo, inteiro.
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