Cheguei à meia-idade com a nítida sensação de que alguém me vendeu um roteiro errado. Disseram que era tempo de estabilidade, de certezas, de repetir mantras como "agora é hora de colher os frutos". Mas eu só queria rasgar os manuais, mudar o nome, deixar o celular em casa e atravessar a cidade a pé, ouvindo rock e pensando em tudo que ainda não vivi.
Os outros — os da minha idade cronológica — falam em previdência, imóveis, filhos adolescentes, churrascos de sábado com conversa sobre colesterol. E eu? Eu tô pensando se não seria melhor largar tudo e ir morar num casebre à beira de um penhasco, ou abrir uma livraria-café onde só toca Nick Drake e onde ninguém é obrigado a sorrir.
Tem algo curioso acontecendo: quanto mais envelheço por fora, mais jovem me sinto por dentro. Mas não essa juventude fabricada de filtro e botox. É outra coisa. É como se um espírito novo tivesse me atravessado — um espírito que não quer se aposentar das perguntas, que recusa o conforto das certezas, que vê beleza no inacabado.
E então começo a entender: talvez a verdadeira juventude não seja um tempo cronológico, mas o momento exato em que você perde o medo de ser quem é. Quando a expectativa dos outros descola da sua pele e cai no chão como casca velha. Quando você para de tentar se encaixar e começa a dançar torto mesmo, rindo do próprio passo.
Essa juventude tardia é menos ansiosa. Ela não precisa provar nada. Ela só quer viver — mas viver mesmo, com intensidade honesta, com conversa boa, com silêncio que acolhe, com gente que não teme a profundidade. Ela quer ouvir Tom Waits e escrever cartas. Quer amar de novo — mas não como quem precisa completar um álbum de figurinhas emocionais. Amar como quem se permite.
Às vezes penso que o velho homem que fui está lá atrás, em alguma esquina, com uma pasta na mão e um discurso pronto sobre como “deveria ser a vida”. Mas eu não volto mais.
Hoje, ando descalço por dentro.
E isso, meu caro, é o mais perto da liberdade que já estive.
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