terça-feira, 13 de maio de 2025

Crônicas de Uma Velha Raposa - A Comédia do Conforto.

Há uma hora em que até a sabedoria enjoa da própria pose.

Quando a palavra “introspecção” começa a feder a mofo e o “silêncio” vira só falta de coragem.

Vivemos dizendo que buscamos a verdade. Mas a verdade — essa palavra que parece coluna vertebral — raramente é buscada. O que buscamos, na verdade, é conforto com aparência de lucidez. E quando conseguimos um pouco, fazemos altar. Mitificamos. Repetimos.

E repetição é o disfarce mais elegante do medo.

Percebi que estava construindo uma jaula com as mesmas ferramentas com que dizia estar me libertando.
Sim, a solidão virou palco. O silêncio, um biombo para evitar confronto.
Estava tão ocupado em parecer profundo que me tornei previsível.
Tão ocupado em parecer inteiro que me petrifiquei.

Foi aí que desejei o desconforto. Desejei que alguém invadisse meu templo interno e derrubasse os incensos.
Que cuspisse na minha linguagem sagrada e dissesse: “isso aí já virou escudo.”

E se tudo que escrevo for só uma versão erudita da covardia?
E se minha lucidez for, no fundo, um medo muito bem diagramado?

Estou tentando reaprender a viver sem muralhas conceituais.
Quero expor a contradição sem precisar resolvê-la.
Quero o rasgo. O riso torto. O absurdo que Kierkegaard mastigava em silêncio.
Quero errar com liberdade, cair com estilo, enlouquecer com responsabilidade.

Talvez a sabedoria mais honesta seja aquela que desaprende.
Que arranca a própria pele e se recusa a ser estátua.
Que confronta os próprios mantras, tenciona os próprios símbolos, e quebra o que já está confortável.

Porque viver de contradições vivas ainda é melhor do que morrer sob certezas mortas.

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