segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Perdi a esperança

Esses dias, logo pela manhã, escutei um barulho estranho na minha janela. Como uma pancada. Fraca, mas uma pancada considerável.
Sheetara, minha gata, que dorme sempre ao meu lado, logo se pôs atenta. Ela é uma caçadora nata. Eu nunca a deixei perder esse instinto. Éramos duas estátuas, imóveis, com os olhos exatamente na mesma direção. Senti que de alguma forma tanto ela, quanto eu, ao mesmo tempo que não perdíamos o foco, nos preocupavamos não só com que estava ali a se revelar, mas, qual seria a reação um do outro.
Vi mais alguma coisa se mexer. E antes mesmo da gata esticar o corpo pra um salto que com toda certeza do mundo seria fatal pra aquele ser nas sombras da janela, percebi ser um pássaro. Pequeno frágil! E, como um raio, conhecendo minha gata. Pus as mãos nos olhos dela e a virei de lado, como ela gosta que eu faça todas as manhãs. Mas ela, também conhecendo o fiel escudeiro que tem, percebeu que eu lhe tentava esconder alguma coisa. Estavamos ali, num jogo simples da vida, entre o real e o abstrato, pois nem mesmo eu havia tanta certeza do que tinha visto. Mas sabia que seria fatal pôr em dúvida aquele momento que dividia a caça e o caçador.
Enfim. Ludibriei-a!
Mas o pio desesperador daquele pequeno visitante da manhã, não o deixaria passar despercebido de forma nenhuma. Com muita cautela, na ponta dos pés, me aproximei da ave. Pra minha surpresa, da parte dela não houve alvoroço nenhum. Muito pelo contrário. Parecia que antes de qualquer coisa, já sabia que eu estava ali. Anseava por minha presença. Ela veio ao meu encontro. Senti. Estendi uma das mãos ainda com intuito de salva-la. Porém, ela, por ela mesma subiu pelos meus dedos e aconchegou-se na palma das minhas mãos. Meus olhos se encheram d'água. Me apaixonei.
Trouxe-a até o meu peito e a dei um nome. Esperança!
Foi a primeira coisa que me veio na cabeça.
Abri a casa, pus Sheetara pra fora, ainda receosa, olhando pra mim com aquela certeza que eu estava-lhe escondendo algo, e acomodei-a no quintal. Fechei a casa. Como a pequena Esperança havia deixado claro pra mim certa confiança, a pus sobre a mesa. Calma, caminhou de um lado pro outro parecendo buscar algo e arriscou uma espécie de piado, um canto, talvez. Como se quisesse me agradecer por estar ali. Não sei! Pedindo alimento quem sabe. Tentei dar-lhe alguma coisa, mas ela insistiu em apenas reconhecer o ambiente em que estava.
Sentei e passei a observa-la. Ela arriscou alguns voos. Mas era apenas o suficiente pra ir de um móvel da casa ao outro, e mesmo assim, visitou todos eles. Todos os cômodos da casa. 
Bem, resolvi dar liberdade a Esperança. Lhe estendi novamente as mãos e ela, como se já estivesse comigo a muito tempo, como se fosse minha, acomodou-se novamente as minhas mãos e ao meu peito.
Fui até o quintal. Fiz questão de fazer um cheking completo pra que nenhum outro predador estivesse por perto. Nem mesmo a minha doce Sheetara.
Abri as minhas mãos e deixei a Esperança voar. Bom. Pelo menos foi o que eu tentei. Ela dobrou a cabeça por umas duas vezes. Olhou tudo ao seu redor. O muro, as árvores, o céu. E não voou!
Arriscou um passeio pelos meus braços. Subiu até a minha cabeça. Voou até as minhas mãos novamente e ali ficou. Olhava pra mim como se não quisesse ir embora. Que havia ali, encontrado o seu lugar.
Por alguns minutos pensei. Será que ela foi criada desde seu nascer em cativeiro, e não sabe o que é liberdade. Seria justo eu ficar com ela e ainda sim mantê-la junto a mim, solta em casa, porém ainda cativa de si mesma. Sem mesmo saber o que a mata, a selva, os perigos da vida lhe proporcionariam? Caçar o seu próprio alimento, reconhecer um predador e fugir da dor quando necessário?  Enfim, conhecer realmente o medo que a impulsionará a vida.
Não. Não farei isso!
Subi em uma árvore bem alta, e fiquei lá em cima sentado. Esperando o vento. Quando ele veio. Impetuoso joguei minha Esperança pro alto. Nossa!
Eu nunca vi aquilo. Ela deu um vôo tão perfeito, tão lindo. Que me deu vontade de voar atrás dela.
Foi uma sensação incrível.
Mas fiquei pensando...
Será que um dia ela volta?
Tomara!

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