sábado, 19 de agosto de 2017

De Volta à Terra Dourada - O Fantasma Da Ópera

Sábado.
Eram quase meia noite. Ou mais um pouco, não lembro.
Chovia lá fora. A janela do ônibus estava embassada e aquela sensação de frio interno me consumia. Doia até os ossos!
The Division Bell, Pink Floyd, era a trilha sonora no fone de ouvido preto que uso como um dos kits de invisibilidade que incluem, óculos escuros e boné de aba fechada, quase enterrado na cara. Ao meu lado, uma índia. Um jambo! Cabelos até a cintura. Preto. Sua formosura me impedia até mesmo de desfarsadamente dar aquela olhadela pro lado. Parecia estar hibernando como um urso a meses. Nem o chacoalhar brusco do coletivo era capaz de acorda-la. Vez por outra acalentava sua cabeça em meu ombro. Mas confesso. As páginas intensas de Canninos Brancos de Jack London era o que mais me impressionava naquele momento. Eu mantinha o foco. Estava completamente entrelaçado as densas neves do Canadá numa trama implacável entre homens e lobos gigantes e famintos. Mas, num momento de transe, levantei a cabeça pra respirar o ar seco a minha volta e notei algo estranho a me observar no reflexo do vidro da janela. Um espectro. De cor branca, olhos claros e grandes. Um piercing no lóbulo, e uma velha blusa xadrez flanelada que cobria sua blusa cinza estampada com aquelas frases em inglês tipo memes de internet. De auto ajuda.
A Índia levantou-se. Como num susto!
Acho que passou do ponto. Não deu tempo nem de agradecê-la por deixar seu perfume no meu braço.
Então. Aquele corpo gelado acomodou-se ao meu lado.

__ Com licença!

Ela disse.

Dei aquele sorrisinho de lado apenas. E voltei às neves do Canadá.
Os movimentos repetitivos de suas mãos e o apertar de corpo que aquele ser ao meu lado me demonstrava era fora do comum.
Fechei o livro. Quando estava prestes a guarda-lo, ela disse, quase num tom de sussurro:

__ Jack London?

__Sim! (Respondi).

__Me empresta?

Sem respirar, dei-lhe o pequeno livro de bolso em suas mãos. Ela folheou de trás pra frente, de frente pra trás. Parou quase ao meio e me disse:

__ Ouve isso aqui...

Leu alguns trechos que parafraseando, diziam mais ou menos assim "Não é o lobo mais forte que lidera a matilha. É o mais esperto, o diferente. Ele é o Alfa"
Respeitei.
Mas até aonde eu havia lido; aquilo não me fazia muito sentido.
Aquela brava alma fechou o livro repentinamente, e o entregou em minhas mãos e dizendo:

__ Você está no caminho certo. Apenas, siga!

E, como uma cachoeira de águas verdejantes começou a me contar toda a sua história de vida. Percebi ao longo da viagem, que aquele espectro não tinha rumo. Então, decidi apenas ouvir pra que em nenhum momento eu pudesse interferir em sua direção, mesmo que não a tivesse, pois eu nem sabia a real veracidade de suas palavras e colocações.
Então. Calou-se!
Afastou-se à minha frente, olhou profundamente dentro dos meus olhos e disse:

__ Você é assim mesmo? CALADO!?

Sorri.
Havia tirado o fone do ouvido pra ouvir o clamor do seu espírito. O peguei de volta, calmamente, enquanto ela me observava e perguntei:

__ Posso te mostrar uma coisa?

Gesticulou com a cabeça que sim. Num silêncio dessa vez insurdercedor!
Pus na minha playlist sem mudar o artista, a faixa Fearless, e compartilhei o fone.

__ Ouve comigo! (Eu disse).

Depois de uns momentos. Olhei pra fora, pra janela, e o sol já estava pra nascer.
Nós havíamos conversado, ou melhor, eu havia a ouvido, por quase cinco horas ineterrupitas praticamente; como se fossem cinco minutos. Um absurdo!
Pensei. Quando olhei pro lado, havia me enganado. Ela já havia partido. Quanto tempo, não sei. Na verdade, eu havia pego no sono e da mesma forma que não a vi chegar, não vi partir.
Lamentei não ter pego seu contato.
E passei o domingo ainda pensando naquela assombração. Naquele fantasma lindo de olhos verdes e voz rouca.
Agora. Segunda-feira. Na areia da praia, esperando o Nascer do Sol, acabei de receber uma mensagem de um número desconhecido dizendo:

__ Desculpe por entrar e sair na sua vida assim. Derrepente. Sem avisar.
Mas queria que soubesse...
Desci no meio do caminho e voltei pros braços dos meus pais.
Obrigado por tudo! Estou feliz.

Deitei na areia e esqueci até que o Sol já havia vindo...
Apenas, o senti chegar, e me tocar.
Sem mesmo saber como ela tinha pego meu número.

Um comentário:

  1. Caminhe, caminhe
    Com esperança no seu coração
    E você nunca andará sozinho(...)

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