Você acreditou, não é?
Acreditou que ao sair da caverna de Platão, onde as sombras dançavam inofensivas na parede, você estaria, enfim, livre.
Livre para ver a luz crua, o sol ardendo sem piedade, a realidade talhada sem os contornos ilusórios do fogo projetado.
Você achou, como tantos, que a saída era a salvação.
Mas não.
A caverna só mudou de nome.
E o mundo que te esperava cá fora não era um campo aberto, mas outra prisão: translúcida, confortável, personalizada, moldada pela tua própria fome de certezas e aversão ao incômodo.
Uma bolha.
Macia, acolhedora, silenciosa naquilo que importa, estridente no que distrai.
Você saiu da caverna e se enterrou na bolha digital.
Não mais amarrado por correntes físicas, mas por algoritmos invisíveis que sabem mais sobre seus desejos do que você mesmo.
Agora, não precisa mais ver sombras.
Você produz as próprias imagens, posta, compartilha, filtra, ajusta, publica a versão idealizada de quem gostaria de ser, e acredita piamente que isso é liberdade.
Mas não percebe que é só uma bolha.
Frágil, flutuante, fechada.
Você escolhe quem ouve, quem lê, quem vê.
O mundo é montado sob medida para o seu conforto intelectual, emocional, ideológico.
Aquilo que confronta é silenciado com um clique.
Aquilo que desafia é bloqueado.
O diferente? Ignorado.
O contraditório? Cancelado.
Você saiu da caverna, mas trouxe as correntes.
Agora elas são feitas de validação instantânea, dopamina barata, bolinhas vermelhas indicando notificações.
O medo do vazio foi substituído pelo pavor de não ser visto, não ser curtido, não ser lembrado.
A caverna ao menos tinha um propósito arcaico: proteger do desconhecido.
A bolha, não.
Ela te vende a ilusão de onisciência e te embriaga com a própria ignorância.
O mito da caverna não termina quando você sai.
O verdadeiro drama é perceber que, uma vez fora, há um segundo labirinto, mais sofisticado, mais confortável e, portanto, mais difícil de abandonar.
Na caverna, as correntes eram físicas.
Na bolha, são emocionais.
E ninguém quer romper com aquilo que o faz sentir seguro, ainda que seja uma prisão.
Enquanto isso, você grita "liberdade" dentro de uma redoma de vidro.
Acredita ser dono da sua visão de mundo, mas não nota que ela foi moldada milimetricamente pelo que você consome, pelo que compartilha, pelo que teme.
Você não vê o mundo: você vê o reflexo do seu ego, amplificado em loop infinito, até não haver mais distinção entre você e a bolha que habita.
E o pior: há quem nunca tenha sequer vislumbrado que está preso.
Esses não sofrem.
São felizes nas pequenas explosões de prazer virtual, nas discussões rasas de opinião, nos perfis cuidadosamente editados.
Você, não.
Você sente.
Sabe, em algum canto obscuro, que há algo de profundamente errado.
E esse é o verdadeiro inferno:
Ter saído da caverna, mas não ter forças para estourar a bolha.
Ver a luz, mas preferir a penumbra confortável de uma timeline previsível.
Perceber a vastidão do real, mas escolher a bolh, porque dói menos, porque dá menos trabalho, porque não exige a coragem absurda de existir para além do espetáculo.
No fim, a pergunta que ecoa é simples e brutal:
Você saiu da caverna pra viver numa bolha?
Ou vai, enfim, ter a ousadia de furá-la, sangrar, perder o chão, e, quem sabe, tocar naquilo que é, de fato, liberdade?
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