sexta-feira, 10 de maio de 2013

Entrevista com a Banda Las Calles, Araruama - Rio de Janeiro.

 Bom, estou fazendo algumas parcerias com uns amigos, e surgiram algumas ideias bem legais. 
Vou estar abrindo este meu espaço aqui para divulgar alguns textos e trabalhos de outras pessoas que caminham comigo nesses tempos difíceis.
E pra começar, estou publicando a primeira entrevista que fiz para o site do Feira Moderna Zine com o Marcelo, vocalista da Banda Las Calles, aqui do Rio de Janeiro. A parceria com o Feira Moderna já é de caminhada, mas agora vamos tentar manter uma maior proximidade.
Espero que gostem!

Las Calles
Por Gilson Fox. 

1) Para começarmos nosso bate papo gostaria de saber o que há por trás da Banda Las Calles. Em minha opinião quando se forma uma banda se pensa primeiro no som que vai ser feito, as pessoas que podem formar esse grupo, e as ideias que o sustentarão. Foi assim com vocês? Vocês acreditam nesses três primeiros passos? Ou deixaram a coisa fluir? 

Foi exatamente assim que aconteceu conosco. É bem difícil não pensar que, se é para montar uma banda, que seja um tipo de som que eu gosto. Porém, é importante ter em mente que, dentro de um estilo musical, mesmo o hardcore, que pressupõe acordes simples, nada excessivamente técnico, seja possível colocar uma marca pessoal. Essa foi uma decisão tomada ao mesmo tempo em que definimos que seríamos uma banda de hardcore. Acho que tão importante quanto criar suas próprias músicas é dar a elas uma marca pessoal, algo seu. E o hardcore/punk sem dúvidas permite isso. Acho uma pena quando me deparo com uma banda que é uma cópia exata daquela banda de hardcore do momento, ou da moda. É um desperdício de criatividade, de tempo... E de vida! 
Quanto às pessoas, acho que fluiu com certa facilidade, num momento que mistura tédio e criatividade. Acho que essa combinação nos ajudou a criar músicas que para nós ficaram muito boas. 

2) Na verdade minha pergunta foi um pouco pretensiosa. Eu penso o mesmo quanto a criar uma banda. Deve-se sempre pensar em desde o nome, as pessoas, a proposta do som, letras e postura. Isso dá significado à banda. Qualquer banda que você coloca pra tocar em um play, pelas características dela você já a identifica. Quanto a letras, no caso do Las Calles, percebe-se em suas letras que o "sangue libertário" ainda corre em suas veias. Como isso se dá no dia a dia de vocês? Existe um envolvimento fora dos palcos? 

Antes de qualquer coisa, devo dizer que Hardcore para mim, sempre significou e sempre irá significar a ampliação e a afirmação de uma consciência crítica. É o que hoje guia minhas leituras, meus escritos, as bandas que ouço e etc.. O Hardcore vive no momento um refluxo crítico ao que me parece, com muitas bandas com um discurso bastante distante das origens Hardcore/Punk. Numa análise dialética isso até faz sentido, já que os anos 90 e começo dos 2000 foi um período em que o Hardcore era bastante engajado. 
Como sou eu quem escreve as letras, posso apenas falar por mim, porém é claro que, ao formar uma banda, você tenta reunir ao seu redor pessoas que de algum modo, compartilhem da sua visão de mundo. Com o Las Calles não é diferente, embora a gente discorde em vários aspectos. 
Quanto à política fora da banda, creio que cada um tente levar a vida da maneira mais ética possível, seja em seu ambiente de trabalho ou no trato com a família. No meu caso, por ser professor da rede pública, isso fica mais latente, e as oportunidades de semear a crítica são mais numerosas. E como fora dos palcos encontramos a vida real, acho impossível não estar engajado politicamente na transformação das coisas. A política vai muito além do envolvimento em grupos organizados. A política é o cotidiano, as relações sociais que criamos sem perceber, as trocas simbólicas e as relações econômicas que se criam no dia a dia. Esse é o local da intervenção. Não podemos separar a vida da política ou vice-versa. 

3) Quanto a visão critica, acredito que esse refluxo já era de se esperar, levando em conta que quando se fala de mudanças na cena a esperança é um "urubu pintado de verde", mas a gente nunca desiste. Agora, me diz uma coisa. Para nós que já apostamos em alguns projetos diferentes como fanzines, palestras, troca de cartas e inúmeras vezes horas perdidas em discussões bem interessantes em eventos com a galera, o que ainda uma banda pode oferecer a uma geração futura? Já que a geração passada, musicalmente, nos deixou um legado inesquecível.

Uma banda, quando tem como propósito (e esse pode mudar entre cada integrante da banda) fazer música dentro do que se considera o punk/hardcore, em minha opinião tem duas funções principais: 
1- Reafirmar para aquele que a faz as suas escolhas contraculturais (o inconformismo, a rebeldia, a crítica, etc.) 
2- Levar a outras pessoas a ética e a estética que são a espinha dorsal dessa contracultura. Creio que essa essência, pouco ou nada mudou nesses 25 anos em que estou envolvido com o punk/hardcore. Claro, como conversamos, parece que vivemos em um momento de refluxo das consciências críticas, embora isso não signifique de maneira alguma que a rebeldia tenha morrido ou perdido completamente o espaço. Ótimas bandas continuam se recusando a seguir e esse discurso alienado e alienante tão comum no hardcore atual. Sempre que eu tenho o prazer de descobrir uma banda que mantém as sua essência e a sua alma dentro da ideia de que o Hardcore é a trilha sonora de um conflito social, sinto que esses 25 anos não foram em vão. 

4) E quanto a cena? Nós sempre tivemos altos e baixos, épocas de boas bandas, bons shows, e o pessoal bem integrado. Mas tem épocas que tudo parece definhar. Um show aqui, outro ali, o pessoal das bandas some e derrepente alguém aparece fazendo alguma coisa e logo volta todo mundo. Existiria uma forma de manter o equilíbrio ou essa gangorra de certa forma acaba ajudando o cenário? Aproveitando a deixa; sempre existiu também os que defendem existir uma cena punk/hardcore, (mesmo que capenga) no Rio de Janeiro e os que vez por outra insistem em dizer que não. O que vocês acham? 

É interessante como dá pra sentir essas mudanças em espaços de tempo cada vez menores. Bandas acabam e outras surgem, pessoas se afastam, outras colam, outras retornam após um bom tempo longe. É a vida, nada mais. Acho que essa "gangorra" pode ser positiva, pois garante uma renovação, fato que é super saudável. 
Quanto a cena: para mim existe sim uma cena. Formada por pessoas que organizam os shows, que assistem aos shows, que escrevem em blogs e zines, que têm bandas, que fotografam e escrevem os shows e etc.. Uma cena para mim é essa comunidade, onde o ponto que mantém tudo junto é a opção por se expressar através da estética hardcore/punk. Pode não haver a união que gostaríamos, poderia haver menos egocentrismo e competição. Mas também poderia ser bem pior. Temos hoje, no estado do Rio de Janeiro, shows acontecendo todo fim de semana, diversas bandas com muito boa qualidade, blogs, grupos ligados a alguma atividade política surgindo e/ou se fortalecendo (libertação animal, anarquismo, ambientalismo, questão de gênero e etc.). Isso tudo me mostra que a cena hardcore no nosso estado vive um momento de retomada dos valores que sempre definiram o que é hardcore. 

5) E quanto a essa "estética hardcore/punk"? Durante um tempo, eu resolvi fazer uns estudos sobre o assunto. Se percebemos, quando se fala sobre a cena hardcore, melhor dizendo, sobre contracultura, não há algo concreto a se dizer se não traçar um histórico de acontecimentos. Certa vez encontrei uma monografia na internet de quase 15 ou 20 páginas bem interessantes sobre contracultura e percebi justamente isso, foram muitas datas, acontecimentos, relatos, resenhas de livros, cd's e filmes; mas nunca uma explicação plausível. Um exemplo hoje, é o que acontece também ao explicar sobre qual o som que uma determinada banda faz, como o próprio hardcore. Para defini-lo melhor, você tem quase que dar como exemplo algumas bandas que se aproxime do mesmo som que ela para que as pessoas possam entender. Se pegarmos algumas pessoas e perguntar, o que é hardcore, ou o que é punk. A maioria vai limitar-se em dizer que é um estilo de vida, ou uma liberdade de expressão. O que você diria? 

Parece que essa coisa de o que é punk ou hardcore é algo mais para ser sentido do que explicado. Embora claro, haja uma explicação "científica". Mas ela pouco importa. É como estar apaixonado, ou com raiva. Quem passa por isso não quer uma explicação racional, quer apenas resolver a situação, saciar a necessidade ou aproveitar o momento (celebrar). O hardcore é um pouco disso tudo: paixão, raiva, frustração e celebração, tudo misturado! Talvez por isso nunca me interessassei pelas bandas de hardcore que fazem letras românticas, pois fica faltando a raiva, que pra mim é um dos pilares do hardcore. Acho sim que o Punk/Hardcore é um estilo de vida, já que ele molda, em muitos casos a sua percepção crítica do mundo que o cerca, e permite (ou deveria permitir) ter acesso a mais informações que reforcem essa percepção crítica. Mas é bom deixar claro: estou aqui citando as bandas que têm um discurso crítico, pois são essas que me interessam e me encantam. E para minha sorte, ainda há ótimas bandas brasileiras e estrangeiras com essa característica. 

6) Suas colocações sobre assunto são interessantes. Traz outro prisma. 
Lendo algumas resenhas no seu blog, (Batalha após batalha) percebi algumas colocações interessantes, que vez por outra, encontro também nos documentários sobre a cena, seria sobre o lado positivo e negativo que algumas posturas podem trazer, por exemplo, vertentes mais agressivas como o BeatDown e mais filosóficas como o Straight Edge. O que podemos considerar de uma forma geral, pontos positivos e negativos e o que na sua posição pode ser mudado? 

Cara, eu não simplificaria tanto a questão a esse ponto: Beatdown=agressivo=negativo e Straight Edge=filosófico=positivo. Muito provavelmente há pessoas e bandas mergulhadas nessa vertente Beatdown que possuem uma consciência crítica que guia suas práticas cotidianas. Assim como nem todos os envolvidos no SxE estão nessa por uma escolha intelectual. Há muito de emocional (irracional?) nas nossas escolhas. E muitas vezes o pensamento sectário, que aparece com certa frequência no Straight Edge pode ser tão negativo quanto a postura Proto-Fascista tão comum ao Beatdown, já não une, e se não une, enfraquece. Não sei se tenho grandes expectativas em relação ao Hardcore. Talvez eu esteja me entregando a certo pessimismo em relação a cena. O Hardcore é apenas um microcosmo, um reflexo em menor escala do mundo real, com suas centenas de contradições. Sem dúvida eu adoraria ver uma cena Hardcore livre do Machismo, Homofobia e Especismo, mais crítica e verdadeiramente solidária. Mas estes são tempos duros para os sonhos. Apesar de tudo, tento acreditar no melhor. É como diz uma letra do Las Calles "O novo dia traz novas chances". 

7) Não foi minha ideia simplificar. Mas que olhando a grosso modo, e levando em conta que as próprias bandas fazem questão de transparecer essa visão negativa, isso é fato. Em uma conversa informal com um amigo ele citou, como muitos que deixaram a cena já o fez, toda o lado negativo que existe na cena Punk/Hardcore. Dizendo inclusive não ter esperança e por isso não pensa em se envolver mais. Assim fiz a seguinte colocação: Eu gosto, eu vivo, eu faço parte. Não gosto da posição de "idiota da objetividade" fazendo todas as críticas possíveis com medo de assumir uma posição. Agora voltando às perguntas em si, para que possamos começar a finalizar esse bate papo, me diga o que você vê pro futuro da banda. (?) 

Para o futuro só posso esperar alcançar o máximo de pessoas com nossa música, mantendo a integridade e o respeito próprio. Porém, mais do que esperar coisas boas para a banda, espero que a cena Hardcore do estado do Rio de Janeiro cresça em número e qualidade. O momento atual tem me mostrado boas bandas surgindo e fazendo um trabalho íntegro. Isso é animador. Que continue assim e se amplie o círculo virtuoso do Hardcore como uma ferramenta contracultural. E que os discursos proto-fascistas e sectários percam logo a vitalidade e morram. 

8)- Bom, como sempre fazem nas entrevistas por ae, eu iria sugerir nesse bate papo que fechássemos com uma mensagem pra galera. Mas acredito que já o fizemos. Então, nos deixe algumas boas indicações. Uma banda fora do circuito punk/hardcore com bons conceitos, um bom livro de cabeceira e um documentário indispensável. 

Acho que as únicas mensagens que cabem a mim deixar aqui, são justamente aquelas que me trouxeram ao Hardcore: Seja crítico. Vá além da aparência das coisas. Estude! Se informe! Seja ético. 
Quanto às dicas, posso recomendar: 
Livros: "Dias de guerra, noites de amor" - Crimethink 
"Por uma outra globalização" - Milton Santos 
"Admirável mundo novo" - Aldous Huxley 
Documentários/filmes: "Terráqueos", "Comida S/A", "1984" 
Jornais/revistas: "Le Monde Diplomatique Brasil" http://www.diplomatique.org.br/ 
Bandas: New Model Army http://www.newmodelarmy.org/ 

LAS CALLES - ARARUAMA - RIO DE JANEIRO - BRASIL


Para saber mais sobre a banda e contatos para shows, visite o Facebook dos caras, confira as fotos e ouça o som. Facebook Las calles: https://www.facebook.com/lascalles.hc







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